Página 1 de 1

Tarifas de Electricidade e Co-geração

Enviado: quarta set 21, 2011 3:27 pm
por mauri
Recomendado pelo Bondade Sua, fica aqui transcrito as Tarifas de Electricidade e Co-geração gentilmente cedido pelo autor Exmo Senhor José J.Delgado Domingos (Professor catedrático do IST), que publicamente agradeço.
(publicado no Público, 21-09-11, pg 33, ed. impressa)

Tarifas de Electricidade e Co-geração
José J.Delgado Domingos

Depois da subida do IVA para 23%, na electricidade e no gás, a noticia do Diário Económico de que a tarifa base iria aumentar 30% , devido principalmente aos mais de 600 milhões de euros a pagar à grande Co-geração, chamou finalmente as atenções para os enormes subsídios às papeleiras, Portucel, Altri, etc, GALP, e inúmeros outros grandes consumidores. Estes subsídios são feitos à custa do aumento das tarifas e englobados sob a sigla de CIEG (Custos de Interesse Económico Geral), cuja fixação depende do governo e não da ERSE.

O CIEG tem várias parcelas, mas a mais escandalosa e das mais pesadas, a Co-geração, tem passado praticamente (ou intencionalmente) desapercebida, nomeadamente aos promotores, activistas e contraditores do Manifesto de Politica Energética.

Actualmente os CIEG representam cerca de 40% da tarifa base. Algumas das parcelas iniciais dos CIEG foram legitimas e justificadas, como as que se destinaram a promover o desenvolvimento tecnológico de energias renováveis, como a eólica, criando-lhes um mercado. Mas nestas, como em muitas das outras, abriu-se a porta para subverter o espírito e os princípios que as legitimavam. A grande Co-geração é um caso exemplar.

A Co-geração é uma tecnologia madura, que existe há dezenas de anos e foi rebaptizada com este nome pelo Presidente Jimmy Carter, no âmbito das medidas ditadas pela crise energética dos anos 70. A sua justificação técnica decorre do facto de se utilizarem combustíveis (fosseis ou nucleares) para produção de electricidade e de ser fisicamente impossível (2ºLei da Termodinâmica) converter integralmente em electricidade o calor libertado. Actualmente, as térmicas clássicas, ou nucleares, não aproveitam mais de 35%. As mais modernas centrais térmicas de ciclo combinado podem ultrapassar os 60%. Simultaneamente, 70 a 80% de todo o consumo nacional de energia é feito sob a forma de calor, de baixa temperatura, seja em aquecimento domestico ou em processos industriais. Face a esta realidade, faz todo o sentido aproveitar para aquecimento o máximo do calor rejeitado na produção de electricidade. Este aproveitamento reveste inúmeras formas, uma das mais antigas e conhecidas sendo o aquecimento urbano nos países nórdicos e da Europa central.
A Co-geração consiste neste aproveitamento do calor que a produção electricidade rejeitou. Globalmente, a energia contida no combustível pode ser utilizada acima dos 80%. Em termos nacionais, uma Co-geração dimensionada correctamente traduz-se numa significativa poupança de energia e justifica-se por isso a sua vigorosa promoção. Todavia, se a concepção técnica foi incorrecta e a exploração é inadequada, os benefícios podem transformar-se rapidamente em prejuízos vultosos para a comunidade.

Para que a Co-geração realize o potencial que a justifica é necessário que o calor seja integralmente utilizado. Numa refinaria, numa papeleira ,etc o calor (vapor de processo...) é a variável fundamental e a solução técnica escolhida é aquela que maximiza a produção de electricidade para a mesma quantidade de calor utilizado. Todavia, devido às variações típicas no ciclo de consumo do calor, temos situações em que há excesso de produção de electricidade. O destino natural deste excesso temporário de produção é a rede nacional. A EDP opôs-se a que tal fosse permitido. O prejuízo para a economia nacional era evidente e as actas e declarações de voto no Plano Energético Nacional(PEN-1980) são expressivas a esse respeito. Só com Mira Amaral, como ministro, a Co-geração foi legalmente autorizada e promovida.

A questão fundamental na Co-geração é a eficiência energética global que se consegue se correctamente implementada. Daí resulta uma vantagem económica para quem a utiliza devidamente. Tanto as papeleiras com a GALP utilizavam co-geração muito antes de ser permitido vender à rede o excesso de produção. Faziam-no por razões económicas. Permitir-lhes vender à rede o excesso de produção foi vantajoso para eles e sê-lo-ia para a economia nacional se o custo de produção desta electricidade fosse igual ou inferior ao obtido nas centrais da rede nacional de electricidade. Foi com este conceito (full avoided cost) que a Co-geração foi promovida por Carter. Entre nós, optou-se por garantir à electricidade assim produzida um preço muito acima da tarifa normal. Como seria de esperar, esta decisão teve como consequencia imediata que os co-geradores deixassem de consumir a electricidade por si produzida, porque lhes era muito mais vantajoso adquirir na rede e à tarifa comum toda a electricidade que consumiam e simultaneamente vender à mesma rede, a uma tarifa bem superior, toda a que produziam. Este sobrecusto é suportado pelos consumidores em geral e contribui para o famoso deficit tarifário.

O que se passou de seguida com os co-geradores foi o que se esperava, ou seja, híper dimensionaram a Co-geração, desperdiçando o calor em excesso, porque o preço pago pela electricidade produzida compensava todos os atropelos. Finalmente, chegamos ao escândalo de haver instalações chamadas de Co-geração que se destinam exclusivamente à produção e venda da electricidade. Ou seja, em vez de aumentar, a eficiência energética global diminuiu e a poluição aumentou!

O absurdo desta situação não escapou à troika, que impôs a sua revisão. De facto, se não for rapidamente revista, teremos em 2012 o sobrecusto dos mais de 600 milhões de euros nos CIEG, e valores crescentes nos anos seguintes. Em meu entender, a completa subversão, ética e técnica dos princípios que legitimaram o apoio à Co-geração justificam inteiramente o fim imediato de qualquer subsidio. O facto de poderem entregar a qualquer hora e ao preço normal da tarifa a energia que produzem já é, em si mesmo, um considerável beneficio.
Nos casos em que a Co-geração se justifica, e são muitos os casos de pequenas instalações, deverá apoiar-se o investimento, mas nunca sob a forma de tarifas especiais.

Espero que este governo ataque de frente o problema e não reinvente mais uma das múltiplas artimanhas em que se foi pródigo, sempre com a consequencia final de agravar os problemas no futuro, para não beliscar agora alguns dos grandes interesses instalados.

19-Setembro-2011
[email protected]

Re: Tarifas de Electricidade e Co-geração

Enviado: quarta set 21, 2011 4:35 pm
por BondadeSua
Saudações verdes

Creio ser esta uma das explicações do "dito erro, na política das renováveis", que os detractores das energias limpas usam. Não especificam qual! Porque será? Não basta dizer mal. Expliquem tudo, a nós e aos governantes, mas com pés e cabeça!
Anda-mos a subsidiar grupos, que produzem energia sim, mas ainda lhes pagamos "muito", para reutilizar sub-produtos da sua actividade. Assim é só lucro, com investimento reduzido. Os resíduos, devem ser usados sim, como diz o Professor Domingos. Mas também, devem tirar desses resíduos o máximo de energia. Pelo que percebo limitam-se a produzir electricidade que não reutilizam, desperdiçam calor que vai para a atmosfera, e guardam todo o benefício duma produção bonificada, atribuindo os enormes custos do desequilibro energético aos consumidores.
Parece-me exagerado o âmbito de aplicação desta bonificação, tal com está e com o desperdício inerente.
Obrigado Professor por nos mostrar esta realidade! Talvez alguém acorde, e parem de assustar os pequenos investidores na micro-produção.

BondadeSua

Re: Tarifas de Electricidade e Co-geração

Enviado: quarta set 21, 2011 4:49 pm
por JDuarte
BondadeSua Escreveu:Saudações verdes

Creio ser esta uma das explicações do "dito erro, na política das renováveis", que os detractores das energias limpas usam. Não especificam qual! Porque será? Não basta dizer mal. Expliquem tudo, a nós e aos governantes, mas com pés e cabeça!
Anda-mos a subsidiar grupos, que produzem energia sim, mas ainda lhes pagamos "muito", para reutilizar sub-produtos da sua actividade. Assim é só lucro, com investimento reduzido. Os resíduos, devem ser usados sim, como diz o Professor Domingos. Mas também, devem tirar desses resíduos o máximo de energia. Pelo que percebo limitam-se a produzir electricidade que não reutilizam, desperdiçam calor que vai para a atmosfera, e guardam todo o benefício duma produção bonificada, atribuindo os enormes custos do desequilibro energético aos consumidores.
Parece-me exagerado o âmbito de aplicação desta bonificação, tal com está e com o desperdício inerente.
Obrigado Professor por nos mostrar esta realidade! Talvez alguém acorde, e parem de assustar os pequenos investidores na micro-produção.

BondadeSua
Já somos tantos (microprodutores) que nada custa criar uma petição pública a divulgar a situação... claro que a guerra contra os "tubarões" não é fácil... mas se a situação não for denunciada publicamente o nosso governo volta a proteger os tubarões comendo as pequenas "sardinhas"... e mais uma vez o Zé Povinho (Grande Rafael Bordalo Pinheiro) paga as favas.

Re: Tarifas de Electricidade e Co-geração

Enviado: quinta set 22, 2011 11:53 am
por BondadeSua
Saudações verdes
JDuarte Escreveu:
BondadeSua Escreveu:Saudações verdes
.........................
BondadeSua
Já somos tantos (microprodutores) que nada custa criar uma petição pública a divulgar a situação... claro que a guerra contra os "tubarões" não é fácil... mas se a situação não for denunciada publicamente o nosso governo volta a proteger os tubarões comendo as pequenas "sardinhas"... e mais uma vez o Zé Povinho (Grande Rafael Bordalo Pinheiro) paga as favas.
Também concordo.
Se alguém que esteja familiarizado com "petição pública" e sua formalidade, iniciar esse processo, também vou ajudar.
Alguma coisa se deve fazer. E normalmente é das pequenas iniciativas, que crescendo, se obtém "grandes resultados".

BondadeSua