isto responde um pouco ás questões aqui postas:
economia americana entrou em recessão
pode não ser oficial, mas é cada vez mais óbvio: a economia americana entrou em recessão. o bem-estar de um americano médio está sendo afetado por pelo menos quatro razões: crise no mercado imobiliário, corte no sistema de crédito, aumento dos custos de alimentos e combustíveis, e, mais recentemente, enfraquecimento do mercado de trabalho - os últimos dados mostram aumento da taxa de desemprego aumentou para 5,1% e perda de 98.000 empregos no setor privado somente em março, o quarto mês em declínio.
o fmi supõe que existe a chance de a economia mundial crescer menos de 3% em 2008 e 2009. a origem da crise está na maior bolha de ativos da história. há quem diga que o mercado financeiro está sofrendo a maior crise dos últimos 80 anos, mas, como em 1929, os estados unidos não são a única economia desenvolvida afetada por isso.
para se entender a dimensão da crise, vale a pena olhar para as funções e para a história do sistema financeiro. este sistema existe para melhor alocar recursos disponíveis na economia. é por meio dele que se pode combinar trabalho com capital de forma mais eficiente, é por meio dele que as pessoas e firmas trocam, compartilham e arriscam. o melhor sistema é, portanto, aquele que disponibiliza ativos para os que dele precisam para promover crescimento. naturalmente, um sistema financeiro sofisticado é suscetível a instabilidades, mas um sistema que constranja a alocação de recursos condena a economia a um crescimento pífio.
historicamente, a globalização financeira esteve relativamente travada até meados da década de 1960, em razão de os mercados financeiros estarem fortemente regulados, sendo mínimos os fluxos financeiros internacionais não controlados pelas autoridades monetárias dos estados nacionais. a primeira ruptura neste processo, subproduto de uma estratégia soviética, foi dada pela formação do mercado de euro-moedas, na segunda metade da década de 1960. depois do primeiro choque do petróleo, em 1973, a circulação financeira internacional cresceu extraordinariamente, crescimento que se tornou exponencial entre os países desenvolvidos, a partir das medidas de desregulamentação dos governos de thatcher e reagan. (viola, 2007:36)
a crise asiática em 1997-98 consistiu no primeiro grande desafio neste período, porque houve contração da circulação financeira nos países da ásia, que passaram também a demandar, sem sucesso, regulação dos mercados financeiros globais. de todo modo, o novo cenário produziu um outro movimento, que foi a emergência de uma nova doutrina, ainda vigente, segundo a qual a proteção dos países contra as crises financeiras globais depende da solidez dos fundamentos macroeconômicos domésticos (gilpin, 2004).
nas últimas três décadas, políticas públicas têm sido dominadas pelos poderes do mercado – flexível, apoiado no auto-interesse pelo bem comum e contraposto àquele de planejamento central. em nenhum momento da história houve tanta liquidez e mercados tão profundamente interdependentes quanto no presente. mas as sucessívas crises indicam forte necessidade de uma nova regulação deste mercado. por regulação, aqui, não se entende normas que constranjam a alocação de recursos, ou que as façam mais dependentes do sistema político, mas, sim, que torne o sistema financeiro mais justo, um em que quem arrisca perde muito quando perde, e não tem suas perdas socializadas com os demais por causa dos seus riscos.
no caso da economia americana, desde 2003, esta assiste à tendência de desvalorização do dólar, resultado do aprofundamento do déficit comercial da país. nos cinco anos seguintes, o dólar perde um quarto de seu valor em relação a uma definida cesta de moedas. em 2007, a crise iniciada no mercado de hipotecas de segunda linha nos eua propagou-se, elevando o prêmio de risco global e forçando uma forte corrida para ativos sem risco. conseqüentemente, a entrada líquida de capital privado nos estados unidos diminuiu consideravelmente, o que se reverteu em forte pressão sobre o valor da moeda americana. a parte do dólar no total das reservas mundiais em moeda estrangeira caiu rapidamente, atingindo o nível de 63,8% no terceiro trimestre desse ano (em agosto, esse nível era de 65%). no mesmo período, as reversas em euro passaram de 25,5 a 26,4%.
no final do último ano, segundo calculo do federal reserve - fed, o valor do dólar em relação à cesta com as moedas de maior peso nas relações comerciais do eua era 6% menor que seu valor em agosto. em 2008, o dólar atingiu seu menor valor desde 1999. ele caiu pela primeira vez a um nivel abaixo de ¥100 e atingiu a paridade de $1.5624 iguais a 1€ - a sua mais baixa cotação em relação ao euro. mesmo com a recente desvalorização da libra esterlina, o dólar tem a modesta cotação de $2 por libra.
“a deterioração na área de crédito imobiliário ‘subprime’ (de alto risco) se alastrou para áreas mais conservadoras, como os créditos imobiliários de primeira linha e as grandes corporações. enquanto o ciclo de crédito torna-se negativo, os níveis de não-pagamento tendem a crescer”, disse jaime caruana, do departamento de mercado de capitais do fmi. somando-se todas as operações do mercado imobiliário (primeira e segunda linhas), as perdas até março chegam a us$ 805 bilhões. nas empresas não relacionadas ao mercado imobiliário, o rombo é de us$ 120 bilhões. já entre os consumidores, é de us$ 20 bilhões.
o fundo alerta que os norte-americanos devam manter em dia as prestações no setor automobilístico e honrar os débitos no cartão de crédito. se não o fizerem, podem colocar sob risco sistêmico o sistema financeiro global, dada a importância central daquele na economia mundial. isso significa que, ao levar calotes seguidos e crescentes em empréstimos ao setor imobiliário, às empresas produtivas e a consumidores individuais, o sistema bancário acabará fragilizado e tenderá a reduzir ainda mais novos empréstimos, enfraquecendo progressivamente a economia americana. daí a nova estratégia do fed com outros bancos centrais ser a de agir conjuntamente adotando medidas para aumentar a oferta de crédito no mercado, tomando cuidado para não aumentar a inflação.
o que se vê, portanto, é o que denominamos “estouro da bolha” alguns setores da economia americana, que se relaciona com a instabilidade do sistema financeiro atual. o mundo assiste à instabilidade de duas bolhas: uma mais visível, a do mercado imobiliário norte-americano; e outra de longo prazo, mais complicada, a “super-bolha” no mercado financeiro internacional, alimentada pela globalização, desregulação e décadas de expansão, e que tem afetado commodities, moedas e a economia como um todo. como resultado da primeira, os investidores estão resistindo a fazer investimentos em dólares, e, da segunda, deve haver desaceleração do crescimento econômico global.
ao contrário do que muitos supõem ou desejam, este não é um momento de voltarmos a uma superativa participação dos estados na economia - pelo menos não no sentido regulatório constrangedor, como houve de 1930 a 1960. o que assistimos é a um estímulo para a criatividade capitalista no sentido de miminizar os riscos e aumentar a transparência do jogo no mercado financeiro, assim como foi feito no mercado comercial por meio da omc. o cenário mais provável é que, sim, haja maior institucionalização das finanças, estimulando a transparência das transações para melhor monitoramento, mas, sobretudo, tentando-se alinhá-las a fundamentos macroeconômicos para a melhor circulação financeira.
http://mundorama.net/2008/03/23/as-cris ... de-campos/