A cascavél e o deserto

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BondadeSua
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A cascavél e o deserto

Mensagem por BondadeSua »

:mrgreen:

João iniciara a jornada confiante. Era um dos pioneiros no “velho continente”, estava acostumado a enfrentar desafios, sabia-se competente e eficaz. Fazia-o sempre de cara levantada. Com confiança, profissionalismo e muito orgulho por ser escolhido, ou designado para tarefas arrojadas.
Aquela não iria ser uma empreitada diferente. Levaria até à “costa leste” o seu novo modo de vida! Haveria de fazer dele uma nova forma de locomoção! Seria o ganha-pão de muitos e talvez a desgraça inoportuna de muitos outros.


No primeiro dia em que João montara aquele animal, sentiu-se diferente. Era mesmo um animal diferente. Ainda não sabia muito bem explicar porquê, mas invadira-o uma nova energia. Era como se tivesse um andar diferente. Suave e ao mesmo tempo forte. Breve na duração, mas perdurável no tempo. Só lhe sentiu uma desvantagem, tinha que comer amiúdas vezes. Algo que não lhe desagradava, porque assim descansava e trabalhava ao ritmo da natureza. Passou a sentir-se mais humano. Menos gastador. Menos dependente. Mais livre.
Talvez fosse da “genética que lhe sentiu nos impulsos”. Seguiria então, longamente, esses impulsos. Haveria de subir as montanhas, usar atalhos, atravessar riachos, pontes fixas (ou não?). Haveria de encontrar empecilhos, bandoleiros, agitadores, oportunistas e até cascavéis.
Estas últimas dificuldades ainda eram o seu maior receio. É que a natureza não lhe havia propiciado antídoto, que fosse eficaz contra o V da “E”nergia da língua dos rastejantes mais venenosos. Ainda por cima, estavam dotados da capacidade de sentir e seguir as feromonas. Sabia-o, mas fazia parte da empreitada. Tinha que estar atento, mas nada poderia fazer antes que os problemas surgissem. E como bem sabia, problemas surgiriam inevitavelmente.
Lembrava-se agora, depois de tantos quilómetros e de tanto Sol “percorrido”, dum incidente que na altura se resolveu naturalmente e a que não deu grande importância.
Quando se abeirou da estação dos correios, já depois de ter descido as “montanhas rochosas” em direcção ao sul, a sua montada “quase pisou” uma cascavel, que por ali estava ao sol, à espera dos ratos distraídos, que sempre brincavam por entre as travessas da linha do caminho de ferro. Havia conduzido a “montada” para a sombra e para as ervas parcas e secas, que o vento para lá arrastou e ia tendo o pior susto da sua vida, pensou! Afinal não fora apenas um susto.
Claro que para a cascavel não foi apenas um susto. Os cascos da montada, haviam feito mossa, mesmo que só de raspão. Ela, ainda se lanço com toda a força na direcção das patas do seu “agressor”, mas sem sucesso. Caso contrário a sorte de João mudaria logo ali. Não foi o caso. Restou-lhe arrastar-se para debaixo das travessas e tentar sobreviver o tempo suficiente até ao próximo inverno, hibernando.
João cavalgara para sul em direcção ao longo deserto, que o esperava havia séculos. Sempre quente. Sempre mortal para a maioria que se aventurava nele sem as reservas necessárias. Sempre imprevisível. Bastava que o vento soprasse um pouco mais e a combinação de poeira e calor, arrasava tudo o que mexesse. Sabia-o bem e ainda ponderou aguardar pela noite seguinte e tentar boleia num dos vagões vazios do comboio. Era um pouco arriscado e não era o género de aventura que apreciasse muito. Por isso meteu-se ao caminho depois de ter os alforges cheios e água bastante no cantil, pensou. Não sabia que quem lhe dera a tarefa e a imaginara, pensou naquele trajecto, naquele negócio e naquela aventura, com aqueles pequenos “aproveitamentos”.
Como sempre, a “sorte”, (ou será as estrelas), nas grandes conquistas, também tem que estar alinhadas, do nosso lado.
Levantara-se uma enorme tempestade de “areia”, vinda de Leste, dois anos antes, que tempos destruíra tudo o que era cultura e trabalho humano, desde a orla do deserto até à pradaria, até ao presente. Desta vez João, abrigou-se logo que pode, nas “gargantas” mais a norte. Gastara muito tempo naquele desvio, mas mantinha a sua meta ainda possível.
Olhou novamente para o mapa e enquanto esperava que a tempestade amainasse, lá conseguiu encontrar alguns rebentos para a sua montada. Pelo menos, ainda tinha algumas provisões.
Acabou por usar um novo atalho. Este levava-o à localidade mais próxima e seguiria para sul. Lá talvez ainda conseguisse alcançar uma nova ligação no “comboio”. Ia ficar caro, mas era a saída mais razoável e segura.
Aquela nova investida de cascavel, não estava mesmo nos seus piores pesadelos. Logo havia de lhe calhar o mesmo “raio” duas (ou três) vezes. Parece que também apanhou boleia na semana antes, para o ir esperar tantos quilómetros depois. Desta vez, estava à espera. Emboscada entre os pedregulhos e com todo o sol do mundo. Farejara por três vezes o ar que lhe vinha do carreiro. Atirara-se a uma das patas mesmo depois de ter pressentido passar as dianteiras.
O seu veneno, era eficaz. Não havia retorno. João apercebendo-se da situação desmontara logo. Fez um garrote na pata do animal que ainda nem entendera bem porquê, tal a simplicidade e a brevidade com que tudo se passou.
Foram quilómetros apeados, em esforço. Em stress constante. Usara água e até o álcool para lavar a ferida. A sangria que provocou, atrasara a morte da montada, mas dificilmente lhe poderia valer.
Usou de palavras mansas, conteve-se, olhou em frente e tentou perceber os riscos que lhe pediram que corresse. Estava certo que tinha feito o melhor que podia. Sentiu que não defraudou a sua natureza.
Acabou por arranjar outra montada, noutra cidade, num ambiente que desejava e parecia menos hostil.
Lembrou-se da “cascavel”. De facto ela só podia agir daquela maneira. E naquele dia tivera os “elementos” do seu lado. Não lhe invejou a sorte. Apesar da mordida certeira, não ganhara a sua refeição. Ela continuava no deserto, entre pedras áridas e quentes. Era o seu mundo e João aumentava a sua experiência e o seu “curriculum”, seguindo viagem para sul.

PS: Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência!

BondadeSua
Não se nasce empreendedor. Aprende-se!!![/b]

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