Um Santo Natal e Próspero Ano Novo
Enviado: sexta dez 14, 2007 9:52 am
amigos
venho desejar a todos um santo natal e que o ano novo seja próspero e permita o avanço significativo das novas energias.
como não tenho jeito para desenhar uma árvore de natal deixo-vos aqui, de minha autoria, um pequeno conto de natal.
///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
""" tás lixado... pá!!!
- não comas mais!
tens que pensar em começar a fazer exercício... - atirava-lhe a mulher
sempre que ao jantar prolongava o mastigar durante todo o noticiário.
-tens razão. mas não esqueças que saio de manhã para o trabalho e
muitas vezes lá no jornal as coisas embrulham-se e mal tenho tempo de
comer uma sandes ao almoço.
era assim a vida moderna. casa/trabalho... trabalho/casa. uma vida
pouco saudável e a balança da casa de banho sempre avançando num mesmo
sentido... para cima.
também ele concordava que devia passar a fazer exercício. só lhe faria
bem. mas nada de ginásios. não tinha pachorra para tanto.
tanto matutou no assunto que pensou ter encontrado a solução mais
equilibrada: passaria a levantar-se uma hora antes do habitual e em
vez de ir de metro até junto do local de emprego desceria 3 ou 4
estações antes e percorreria uma rua ou outra e todo o parque em passo
de corrida. já era qualquer coisa...
e no começo da semana começou a pôr em prática o idealizado.
nos primeiros dois ou três dias parecia-lhe que as pernas já tinham
esquecido como dar o impulso certo ao corpo para manter o ritmo sem
ficar logo com os bofes à boca, mas depressa assentou no seu próprio
ritmo.
passada a primeira semana de exercício já conseguia dar as passadas
mecanicamente e deixar correr o olhar pelos pormenores do parque que
até ali lhe tinham passado despercebidos.
descobriu, por exemplo, que bem do alto lhe chegavam os gorjeios das
cotovias que pairavam cantando o seu hino ao nascer do dia, e que
também os melros eram os primeiros a percorrer os relvados na procura
do seu pequeno almoço.
ficou mesmo atento às pequenas modificações que de dia para dia iam
surgindo certamente pelas mãos dos jardineiros... o canteiro
recém-semeado, o ramo da árvore podado de fresco, o cheiro deixado
pela máquina de cortar relva.
ah...! o que tinha perdido todos aqueles anos em que viajara pelo
buraco do metro!
nesta atenção aos pormenores reparou certo dia num volume escuro que
se acobertava por debaixo de um pequeno parapeito de miradouro junto a
uma estátua lateral.
não foi preciso muito para chegar à conclusão de que alguém pernoitava
ali embrulhado em fracos agasalhos.
para si foi mais um atractivo que lhe sugeria descobrir "estórias" da
moderna vida nas cidades em que muitas pessoas não tinham um lar onde
dormir.
e por deformação profissional começou a estudar o deserdado da sorte.
seria o mesmo com quem noutros dias já se tinha cruzado nas imediações?
se assim era, o sujeito também fazia exercício. já o havia topado
fazendo alongamentos e saltando uma corda imaginária.
que "estória" teria?
a cada dia lhe prestava mais atenção ao mesmo tempo em que ia
ruminando no modo de se chegar a ele sem "afugentar a caça".
pensou: é pela boca que se conquistam as amizades.
dito e feito.
no outro dia pediu à mulher que ao invés de lhe deixar o pequeno
almoço preparado em cima da mesa da cozinha, fizesse antes um pequeno
embrulho com uma sandes ou duas e as comeria no parque após o
exercício. isso também ajudaria a repor as pulsações em níveis mais
normais para que ao entrar no escritório não apresentasse o ar de quem
vem a fugir à polícia.
a mulher, encantada com a alteração no dia a dia do marido caprichou no farnel.
e num dos dias em que encontrou o colega do parque já em exercícios,
parou a corrida, sentou-se ostensivamente num dos bancos e, com
apetite, sacou a sandes e deitou-lhe o dente... sempre de olho no
parceiro.
num momento em que a proximidade foi maior atirou-lhe mesmo um: "ó
amigo... é servido?".
o outro atrasou momentaneamente o passo e lançou um "obrigado"... mas
sem se deter.
isto quer é continuação- pensou - e a cena foi-se repetido.
agora mesmo que chegasse e encontrasse o parceiro ainda envolto nos
seus cobertores não deixava de anunciar quando se sentava no banco: "
está na hora do pequeno almoço"!
o outro levantava um braço à guisa de cumprimento e deixava-se ficar.
até que um dia o homem aceitou estender a mão à sandes que lhe vinha a ser oferecida diariamente.
o "obrigado" que ouviu chegou-lhe seco.
não estranhou. que drama se esconde por detrás de cada pessoa?
talvez um dia o homem quisesse falar.... era dar tempo ao tempo.
agora os dias para si só tinham um objectivo: que chegasse a noite
para que na manhã seguinte tentasse mais uma vez abrir a concha onde o outro se fechava.
ele havia de ceder.... contar a sua vida... esclarecer os motivos
porque vivia ali no parque. coisas assim...
entretanto os dias continuavam a decorrer à velocidade de sempre e o
natal ia-se avizinhando.
já conseguia trocar umas frases com o desconhecido. falar do tempo que
de dia para dia ia esfriando mais.
na manhã da véspera de natal apareceu no parque carregando um pesado
embrulho de coisas que comprara no supermercado e que iria deixar ao
seu protegido.
nesse dia explicou-lhe que queria que ele aceitasse o embrulho e que
não lhe ia perguntar nada... mas se quisesse desabafar que falasse.
ele seria um ouvido atento e amigo... afinal já se conheciam há umas
boas semanas.
o outro olhou para o embrulho e para o seu benfeitor.
e, pigarreando, para aclarar a voz, perguntou:
-tu tens mulher?... filhos?
-sim... tenho - respondeu.
-e... tens casa? quer dizer... pagas as prestações ao banco... a
luz... o telefone... condomínio?
-sim...claro!
-e tens carro? aquelas coisas...prestação... seguro... gasolina...etc?
-pois... tem que ser...
-e tens que correr todos os dias para o emprego... aturar o chefe...
os colegas...engolir sapos?
-vejo que sabes como a vida é...
-eh pá... desejo-te um bom natal... mas quero dizer-te... tás lixado...pá!!!
veja o meu livro: "de angola a portugal em traineira" http://www.narotadediogocao.pt.vu
venho desejar a todos um santo natal e que o ano novo seja próspero e permita o avanço significativo das novas energias.
como não tenho jeito para desenhar uma árvore de natal deixo-vos aqui, de minha autoria, um pequeno conto de natal.
///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
""" tás lixado... pá!!!
- não comas mais!
tens que pensar em começar a fazer exercício... - atirava-lhe a mulher
sempre que ao jantar prolongava o mastigar durante todo o noticiário.
-tens razão. mas não esqueças que saio de manhã para o trabalho e
muitas vezes lá no jornal as coisas embrulham-se e mal tenho tempo de
comer uma sandes ao almoço.
era assim a vida moderna. casa/trabalho... trabalho/casa. uma vida
pouco saudável e a balança da casa de banho sempre avançando num mesmo
sentido... para cima.
também ele concordava que devia passar a fazer exercício. só lhe faria
bem. mas nada de ginásios. não tinha pachorra para tanto.
tanto matutou no assunto que pensou ter encontrado a solução mais
equilibrada: passaria a levantar-se uma hora antes do habitual e em
vez de ir de metro até junto do local de emprego desceria 3 ou 4
estações antes e percorreria uma rua ou outra e todo o parque em passo
de corrida. já era qualquer coisa...
e no começo da semana começou a pôr em prática o idealizado.
nos primeiros dois ou três dias parecia-lhe que as pernas já tinham
esquecido como dar o impulso certo ao corpo para manter o ritmo sem
ficar logo com os bofes à boca, mas depressa assentou no seu próprio
ritmo.
passada a primeira semana de exercício já conseguia dar as passadas
mecanicamente e deixar correr o olhar pelos pormenores do parque que
até ali lhe tinham passado despercebidos.
descobriu, por exemplo, que bem do alto lhe chegavam os gorjeios das
cotovias que pairavam cantando o seu hino ao nascer do dia, e que
também os melros eram os primeiros a percorrer os relvados na procura
do seu pequeno almoço.
ficou mesmo atento às pequenas modificações que de dia para dia iam
surgindo certamente pelas mãos dos jardineiros... o canteiro
recém-semeado, o ramo da árvore podado de fresco, o cheiro deixado
pela máquina de cortar relva.
ah...! o que tinha perdido todos aqueles anos em que viajara pelo
buraco do metro!
nesta atenção aos pormenores reparou certo dia num volume escuro que
se acobertava por debaixo de um pequeno parapeito de miradouro junto a
uma estátua lateral.
não foi preciso muito para chegar à conclusão de que alguém pernoitava
ali embrulhado em fracos agasalhos.
para si foi mais um atractivo que lhe sugeria descobrir "estórias" da
moderna vida nas cidades em que muitas pessoas não tinham um lar onde
dormir.
e por deformação profissional começou a estudar o deserdado da sorte.
seria o mesmo com quem noutros dias já se tinha cruzado nas imediações?
se assim era, o sujeito também fazia exercício. já o havia topado
fazendo alongamentos e saltando uma corda imaginária.
que "estória" teria?
a cada dia lhe prestava mais atenção ao mesmo tempo em que ia
ruminando no modo de se chegar a ele sem "afugentar a caça".
pensou: é pela boca que se conquistam as amizades.
dito e feito.
no outro dia pediu à mulher que ao invés de lhe deixar o pequeno
almoço preparado em cima da mesa da cozinha, fizesse antes um pequeno
embrulho com uma sandes ou duas e as comeria no parque após o
exercício. isso também ajudaria a repor as pulsações em níveis mais
normais para que ao entrar no escritório não apresentasse o ar de quem
vem a fugir à polícia.
a mulher, encantada com a alteração no dia a dia do marido caprichou no farnel.
e num dos dias em que encontrou o colega do parque já em exercícios,
parou a corrida, sentou-se ostensivamente num dos bancos e, com
apetite, sacou a sandes e deitou-lhe o dente... sempre de olho no
parceiro.
num momento em que a proximidade foi maior atirou-lhe mesmo um: "ó
amigo... é servido?".
o outro atrasou momentaneamente o passo e lançou um "obrigado"... mas
sem se deter.
isto quer é continuação- pensou - e a cena foi-se repetido.
agora mesmo que chegasse e encontrasse o parceiro ainda envolto nos
seus cobertores não deixava de anunciar quando se sentava no banco: "
está na hora do pequeno almoço"!
o outro levantava um braço à guisa de cumprimento e deixava-se ficar.
até que um dia o homem aceitou estender a mão à sandes que lhe vinha a ser oferecida diariamente.
o "obrigado" que ouviu chegou-lhe seco.
não estranhou. que drama se esconde por detrás de cada pessoa?
talvez um dia o homem quisesse falar.... era dar tempo ao tempo.
agora os dias para si só tinham um objectivo: que chegasse a noite
para que na manhã seguinte tentasse mais uma vez abrir a concha onde o outro se fechava.
ele havia de ceder.... contar a sua vida... esclarecer os motivos
porque vivia ali no parque. coisas assim...
entretanto os dias continuavam a decorrer à velocidade de sempre e o
natal ia-se avizinhando.
já conseguia trocar umas frases com o desconhecido. falar do tempo que
de dia para dia ia esfriando mais.
na manhã da véspera de natal apareceu no parque carregando um pesado
embrulho de coisas que comprara no supermercado e que iria deixar ao
seu protegido.
nesse dia explicou-lhe que queria que ele aceitasse o embrulho e que
não lhe ia perguntar nada... mas se quisesse desabafar que falasse.
ele seria um ouvido atento e amigo... afinal já se conheciam há umas
boas semanas.
o outro olhou para o embrulho e para o seu benfeitor.
e, pigarreando, para aclarar a voz, perguntou:
-tu tens mulher?... filhos?
-sim... tenho - respondeu.
-e... tens casa? quer dizer... pagas as prestações ao banco... a
luz... o telefone... condomínio?
-sim...claro!
-e tens carro? aquelas coisas...prestação... seguro... gasolina...etc?
-pois... tem que ser...
-e tens que correr todos os dias para o emprego... aturar o chefe...
os colegas...engolir sapos?
-vejo que sabes como a vida é...
-eh pá... desejo-te um bom natal... mas quero dizer-te... tás lixado...pá!!!
veja o meu livro: "de angola a portugal em traineira" http://www.narotadediogocao.pt.vu