12/08/2011
Os tremores na economia global criam vários tipos de ameaças e oportunidades para o bolso de cada um. Como aproveitar – e se proteger
O jovem Irving, aos 23 anos, ainda era um novato no emprego e não tinha ideia de como seria a crise pela frente. Apenas percebia que ela já criava angústias financeiras em homens muito mais experientes. Mas Irving supôs, corretamente, que o preço de certas ações cairia muito. Fez um negócio com essa premissa e começou a enriquecer. A crise era a de 1929, que deu origem à Grande Depressão. O jovem era Irving Kahn, hoje com 105 anos, o mais velho consultor financeiro em atividade no mundo. A história do nascimento de sua fortuna virou lenda entre os profissionais do mercado financeiro. O melhor da história é que ela não trata dos vislumbres de um gênio. Ela mostra, até hoje, como uma crise assume feições bem distintas para cada indivíduo. Para alguns, pode ser terrível. Para outros, amena. Para outros ainda, uma bela oportunidade. O que nos traz ao Brasil de 2011 – e a seu bolso.


O cenário que se desenha por aqui em nada lembra a devastação econômica dos anos 1930, nem mesmo a desolação que toma os países desenvolvidos neste momento. As previsões de crescimento da economia brasileira, mesmo em queda, ainda se situam bem acima dos 3%, um nível respeitável para um mundo quase paralisado. O pesquisador Marcelo Néri, da Fundação Getulio Vargas (FGV), observa crises anteriores para concluir que o mercado interno de trabalho reage a impactos globais com atraso de três a quatro meses. “No campo do emprego, não acredito em pioras dos índices pelo menos até janeiro”, diz. É uma perspectiva tranquilizadora. Mesmo assim, o país sentirá, provavelmente ao longo de alguns anos, os efeitos dos tremores na economia global de diversas formas – queda de juros, oscilação na Bolsa, menos negócios fechados. Com ou sem crise por aqui, cada decisão individual relacionada a dinheiro precisará ser vista contra esse pano de fundo.
Na vida pessoal, tudo o que tem a ver com dinheiro pode ser enquadrado em três grandes grupos – investimentos, compras e carreira. E, em momentos de ansiedade, como o atual, torna-se mais fácil fazer escolhas erradas em cada um deles, por medo, pressa ou falta de informação. Um engano comum é agir copiando o que outros fazem. O aparente sucesso (ou fracasso) de um amigo que comprou um imóvel, pediu um aumento ou aplicou na Bolsa pode até ajudar na definição de sua própria escolha, mas não pode ser sua principal referência, porque os detalhes que mais importam em sua vida são diferentes. Vocês podem ter a mesma idade, salários próximos e compartilhar muitas opiniões sobre a crise, mas essas semelhanças pouco importam se só um de vocês tem um filho pequeno ou uma dívida grande. Quem se orienta pelo tipo errado de informação, aquela que apenas circunda e esconde o que realmente importa, torna-se vítima das aparências – o que o psicólogo Edward Thorndike, da Universidade Colúmbia, descreveu nos anos 1920 como“efeito de halo”.

Por isso, é fundamental orientar-se pelas informações corretas (leia o quadro dos fatores de risco e de segurança). Para aumentar a chance de fazer boas escolhas, o indivíduo precisa avaliar um grupo de tópicos: as dívidas (se existem, qual é seu tamanho e sua importância), o trabalho (quanto dinheiro ganha e em quais condições), a poupança (se poupa, como poupa, quanto tem guardado), a família (quanto gasta e quanto deverá gastar com dependentes) e a idade (se está perto ou longe da aposentadoria). Além disso, um ponto fundamental para a tomada de boas decisões financeiras é não se apegar a visões limitadoras de si mesmo, do tipo “sou gastador e não posso fazer nada a respeito” ou “não gosto de perder, então nunca vou aplicar na Bolsa”. Indivíduos mudam ao longo da vida, com suas possibilidades e vontades. “Não concordo com a ideia de ‘perfil de risco’ – fulano é arrojado, sicrano é conservador”, diz o professor de finanças William Eid, da FGV. “O que existe é o momento da vida de cada um, que pode pedir que você adapte suas estratégias.”
Nada como uma boa e estimulante crise para começar a pensar com mais carinho sobre o futuro. Grande parte dos brasileiros de classe média ameaçam a si mesmos por não poupar nada. Nem um terço dos cidadãos das classes A e B, com renda mensal familiar pelo menos na casa dos R$ 1.700, dispõe de reservas para enfrentar imprevistos. Se a principal característica de sua estratégia de poupança é nunca ter tido uma, aproveite a crise para mudar isso.
A primeira ameaça causada pela crise é a proliferação de dicas furadas. Colegas e parentes sugerem investimentos dignos de um ás das finanças, como especulações com ouro e câmbio. Ignore recomendações do tipo. Se você tem experiência em finanças, não precisa delas; se não tem, é melhor nem tentar usá-las. Concentre-se no cardápio já variado das opções mais tradicionais – poupança e fundos variados, com e sem ações. A renda fixa pode até ser menos glamourosa que aplicações como o ouro, mas oferece bom retorno e segurança mesmo na crise.


É importante entender para onde seguem as taxas de juros, no Brasil e no mundo. Um provável efeito do abalo global será puxar as taxas brasileiras para baixo, caso a baixa atividade econômica de outros países reduza também nosso ritmo e nossa inflação. É hora de aproveitar os últimos tempos de juros altos (ganho fácil para quem poupa), orientados pela taxa básica de 12,5% ao ano. O retorno de 7% anual oferecido por um investimento tão seguro quanto a caderneta de poupança é uma aberração em termos globais, e o brasileiro não contará com ele para sempre. A remuneração oferecida por investimentos semelhantes nos países desenvolvidos é de 1% ao ano ou menos.
É desejável que, em algum momento da formação de poupança, o investidor transfira o dinheiro da caderneta para um fundo de renda fixa mais rentável (usualmente, aqueles que incluem no nome indicadores como “DI” e “RF”). Mas essa transferência não precisa ser apressada. Deve ocorrer apenas se o fundo oferecer, mesmo com descontos de Imposto de Renda e taxa de administração, ao menos 0,5 ponto porcentual acima do que oferece a poupança. Ou, de modo mais simples, se cobrar, no máximo, taxa de 1,5%. Quem puder manter o dinheiro aplicado por mais tempo, sem precisar recorrer a ele, pode se dar melhor ainda com o Tesouro Direto – aquela ferramenta que permite comprar títulos públicos, ou seja, emprestar dinheiro ao governo, pela internet. Na semana passada, havia títulos pagando mais de 6% ao ano acima da inflação até 2015, 2024 ou 2035 – a taxa varia, dependendo do momento em que o poupador quiser resgatar o dinheiro, mas o retorno médio é ótimo, se imaginarmos o Brasil do futuro como um país mais equilibrado, com taxa básica de juros muito abaixo de 5% ao ano. O consultor financeiro Mauro Halfeld, colunista de ÉPOCA, defende essa forma de investimento, mesmo para quem quiser aplicar o dinheiro por prazos curtos, inferiores a dois anos. No momento, ele recomenda escolher os títulos pós-fixados, que acompanham as variações da taxa de juros, e não os prefixados, indicados somente para quem se dispõe a apostar numa queda de jurosmais rápida que a esperada pelo mercado financeiro. Mas a renda fixa é só parte da história das oportunidades. Quem tiver a vida financeira em ordem, com dinheiro guardado e dívidas sob controle, e quiser aproveitar a crise, precisa perder o medo e ao menos pensar em aplicar na Bolsa de Valores.
Houve uma oportunidade de ouro para os brasileiros que começaram a aplicar em ações, no período entre 1998 e 2002, fosse diretamente, escolhendo os papéis das empresas mais interessantes, fosse por meio de fundos de investimento com renda variável, disponíveis em qualquer banco. Ao longo desse período turbulento, que incluiu o estouro da bolha da internet, os ataques terroristas do 11 de setembro e a incerteza com a sucessão presidencial no Brasil, o Ibovespa, principal indicador da Bolsa brasileira, manteve-se oprimido na faixa de 7.000 a 11.000 pontos. Entre os brasileiros que começaram a investir em ações naquela época está o analista de sistemas Rodolfo Bugarin. Esse grupo passou a considerar a Bolsa um grande investimento, por causa da valorização que ocorreu nos anos seguintes. Mesmo com duas filhas pequenas, de 8 e 12 anos, Bugarin passou a incluir as ações de maneira permanente em seus planos de poupança e a correr um risco alto: hoje, coloca na Bolsa 60% do que economiza. “Cheguei a ficar sem aplicação na Bolsa, mas vi a crise de 2008 como uma oportunidade e voltei. Enxergo o mesmo agora”, afirma.

É um pensamento típico de quem ganhou com a impressionante ascensão da Bolsa para a faixa dos 30.000 a 60.000 pontos, entre 2005 e 2007. Naquele intervalo, foi possível multiplicar o investimento por três, quatro, cinco ou mais. Mas o avanço significou também que a Bolsa se tornou mais cara para quem entrava. Em 2011, sob os golpes das más notícias na economia global, uma nova oportunidade parece se abrir, com o Ibovespa recuando para perto dos 50.000 pontos. É impossível dizer se ele vai cair ainda mais ou se subirá novamente, e o mercado acionário brasileiro é comprovadamente um dos que mais oscilam no mundo – um risco adicional para o investidor. “Desta vez não há um estouro de bolha, como em 2008, mas a conjuntura ruim que levou a Bolsa a cair nos últimos meses persiste”, diz Eduardo Jurcevic, superintendente da corretora do Banco Santander. Trata-se de um alerta importante. Quem puder deve estudar com atenção a nova chance de usar a Bolsa como ferramenta complementar de poupança – para o dinheiro ser usado num futuro mais distante.

Ao pensar na compra de uma casa ou apartamento, o brasileiro tende a acreditar que está seguramente fazendo um bom negócio, sempre. Trata-se de um mito, especialmente perigoso num cenário de crise. Não faz sentido pensar sempre em aluguel como “dinheiro jogado fora” e em parcelas de um imóvel com juros como “investimento”. São duas decisões financeiras com objetivos completamente diferentes. No primeiro caso, você está pagando por um serviço: a possibilidade de morar em um certo bairro ou tipo de residência. No segundo caso, está assumindo uma dívida normalmente grande em troca de uma vantagem financeira (gastar menos que o aluguel), do conforto psicológico de morar num imóvel próprio ou da possibilidade de ter lucro com ele no futuro. Em nenhum dos casos é recomendável que sua renda mensal seja consumida pelo imóvel e você fique sem margem de segurança para poupar. “A palavra-chave hoje deveria ser ‘proteção’, já que as pessoas não sabem bem o que vai acontecer, se continuarão em seu emprego. Sugeriria evitar fazer grandes dívidas neste momento”, diz Roberto Zentgraf, professor de finanças do Ibmec Rio. Mas ele admite que, em algumas circunstâncias, a dívida com imóvel pode ser um bom negócio. “Se for possível comprar o imóvel e tornar o custo com moradia só um pouco mais salgado do que o aluguel, é justificável. Mas a pessoa precisa conseguir poupar dinheiro em outro investimento todo mês.” A dica vale para qualquer um envolvido num financiamento de longo prazo – da compra de um carro ao parcelamento de viagens, eletrodomésticos e até roupas. Este é o momento de tentar enxugar o orçamento e conferir a possibilidade de, ao mesmo tempo, honrar as parcelas e poupar mais.
Mais uma vez, é preciso ficar de olho no comportamento dos juros. A crise gerou a expectativa de que as taxas caiam mais rapidamente no Brasil. Essa variável não deve afetar os planos dos interessados em comprar imóveis. A forma de financiamento mais comum, hoje, é pelo sistema de amortização, em que as parcelas diminuem com o tempo. O tomador pode escolher entre taxas pós ou prefixadas. Na primeira situação, as parcelas são renegociadas ano a ano, com taxas na casa dos 8% a 10% ao ano desde 2009. Nada indica que esse tipo de contrato se tornará menos vantajoso. Na segunda modalidade, a prefixada, os valores das parcelas são definidos logo na compra, e as taxas ficam na casa dos 12% ao ano ou mais – o contrato oferece mais previsibilidade, mas pode dar a sensação de negócio malfeito no futuro, caso os juros do resto da economia caiam bastante nos próximos anos. É parte do jogo. “Com as prestações predefinidas, o comprador evita o risco que correria se a inflação explodisse”, diz Luís Roberto Cunha, professor de finanças da PUC-SP. Com os juros comportados, o maior risco ficará mesmo para os endividados por conta da possibilidade – ainda remota – de a economia brasileira ser abalada e passar a fechar postos de trabalho. O endividado pode se ver sem fonte de renda.

Os mais entusiasmados com a ideia de comprar um imóvel devem tomar especial cuidado com a relação entre tamanho da parcela e duração da dívida. Em outros tipos de compra, menores, tende a ser vantajoso encurtar o prazo de pagamento, aguentar o sufoco da parcela maior e, ao final, gastar menos com juros. No caso de imóveis, porém, mesmo os prazos encurtados se mantêm perigosamente longos, estendendo-se por cinco, dez, 15 anos. Não é prudente ficar tanto tempo sem margem de segurança na renda mensal. Uma decisão de risco foi tomada por Wagner Gomes, de 42 anos, coordenador de uma equipe que trabalha com seguros para empresas. Ele já tem um imóvel próprio e resolveu adquirir outro como investimento – quer alugá-lo a partir de 2015. Comprou um apartamento na planta e se organizou para quitá-lo em menos de cinco anos. Isso exige um esforço financeiro maior e acarreta mais risco ao longo desse período. Mas ele considera sua estratégia bem elaborada. “Fiz um contrato direto com a construtora, para não pagar os juros de bancos”, afirma. “Encaro o imóvel como um investimento em renda fixa para minha aposentadoria.”
Se os imóveis ainda merecem alguma deferência, pelo valor real e simbólico, diante dos outros tipos de dívida, como a de troca de carro, os especialistas são unânimes com uma dica: faça só gastos inteligentes, em que seja possível economizar. Um exemplo são as compras em dólar, já que o real virou moeda forte (leia a reportagem). Deixe o consumismo para depois. “Não é um bom momento para se colocar em situação financeira mais frágil, nem é a hora de tomar decisões de compra confiando na queda futura dos juros”, afirma o educador financeiro Mauro Calil. “É hora de destinar parte maior do orçamento para a poupança e formar um colchão de proteção.”

É recomendável aplicar à própria carreira uma lógica parecida com a do mercado de ações: tente sempre “vender” sua imagem de bom profissional nos momentos de alta, ou seja, aqueles em que a economia segue a toda. O Brasil vem vivendo um desses momentos – entre fevereiro e agosto deste ano, retomou os baixos níveis de desemprego que registrava antes do estouro da bolha das hipotecas, em 2008. Foi um ótimo período para fazer contatos, assumir novas responsabilidades, exibir competências dentro da empresa e fora dela, ao mercado. Essa fase pode estar perto do fim ou, ao menos, perto de um período em suspenso. Marcelo Néri, da FGV, considera possível que o mercado de trabalho sofra, no início de 2012, um impacto maior das condições econômicas ruins no exterior. Esse impacto pode afetar a economia toda, aumentar as chances de demissões e reduzir as de contratações, mas alguns grupos parecem especialmente vulneráveis. Num estudo de 2010, Néri alertava que os mais afetados vinham sendo os assalariados da indústria e do setor financeiro, aqueles com nível intermediário de educação (ensino médio e superior completo) e os habitantes das capitais. A esses grupos, podemos acrescentar agora os que trabalham diretamente com exportações e os que dependem da saúde financeira dos Estados Unidos, da Europa e do Japão. Seja qual for o setor em que você trabalha, cuidado para não esperar a baixa e só então tentar “vender” sua imagem – de pouco adianta, em plena seca no mercado de trabalho, começar a apresentar-se aos colegas, mostrar-se à chefia como disponível para novas responsabilidades e querer estudar mais para lustrar o currículo (leia mais).
Também como no mercado acionário, a crise pode abrir oportunidades para a carreira. Nesses períodos, as empresas precisam de resultados mais visíveis. “O bom profissional se preocupa com eficiência o tempo todo, mas na crise isso se torna fundamental”, diz o especialista Cláudio Garcia, presidente da consultoria de recursos humanos DBM. “As empresas passam a precisar de pessoas que lidem bem com cortes de custos e acúmulo de funções, que saibam acalmar os clientes e renegociar com eles. Se o profissional identificar as necessidades específicas da companhia durante a crise e souber aproveitá-las, vai se dar bem.”
Esse é o desafio que aguarda a profissional de marketing Bárbara Ruiz nos próximos meses. Por motivos pessoais, na semana passada ela se desligou da grande empresa em que trabalhava. Agora pretende descansar por alguns meses e voltar a procurar trabalho na mesma área. Tem a seu favor o fato de ser jovem (tem 32 anos) e sem filhos, de ter construído ao longo dos últimos anos uma poupança capaz de garantir seis meses de despesas, sem contenção de gastos, e de ter planejado a transição de empregos com o marido. “Conversei com ele e defini o que queria fazer. Quero descansar um pouco, mas pretendo estar em outro emprego em bem menos de seis meses”, afirma. Não importa a estratégia escolhida para lidar com a carreira nos próximos anos. O importante é que seja colocada em prática nos tempos bons e ruins. Não espere a próxima crise chegar.

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