Lagoa das Furnas está melhor, mas qualidade da água vai continuar má durante anos
22.01.2012
Eutrofização causada pela acumulação de matéria orgânica no fundo é o problema maior. O fim das pastagens e a retirada do gado da zona fez baixar os níveis de azoto e fósforo.
A beleza da segunda maior bacia hidrográfica dos Açores esconde problemas ambientais
A estrada ladeada por árvores frondosas abre subitamente sobre a lagoa das Furnas. Segue-se uma longa recta mesmo encostada à margem, rumo à localidade famosa pelo seu cozido, permitindo a visão das águas, da massa florestal que a rodeia e do inconfundível perfil da Ermida de Nossa Senhora das Vitórias. A beleza natural envolvente é poderosa, escondendo do visitante menos informado os sérios problemas que afectam os 12,5 quilómetros quadrados da bacia hidrográfica desta lagoa (1400 hectares). É a segunda maior dos Açores e o seu estado ecológico é considerado mau.
O principal responsável pela degradação da qualidade das águas é o processo de eutrofização causado pela acumulação de matéria orgânica no fundo e a correspondente diminuição do volume de água. A actividade agro-pecuária no interior da bacia foi há muito identificada como o grande agente desse fenómeno. Miguel Ferreira, engenheiro florestal e responsável pela gestão do plano de bacia da lagoa das Furnas, chegou em 2007 e começou a trabalhar praticamente sozinho. "Os grandes problemas eram a exploração agro-pecuária, as áreas de pastagens e a erosão dos solos, tudo contribuindo para que a profundidade da lagoa tenha passado de 20 para 15 metros", disse ao PÚBLICO.
A longo prazo, há o risco de os lagos evoluírem para pântanos, mas o responsável lembra que esse processo, sendo muito lento, pode ser contrariado. A prova disso é a aprovação, ainda em 2007, do Plano de Ordenamento da Bacia Hidrográfica da Lagoa das Furnas, concretizado pela SPRAçores, uma empresa pública regional de promoção e gestão ambiental criada em 2006 e recentemente integrada na Azorina, outra sociedade anónima de capitais públicos regionais.
O objectivo essencial é, explica Miguel Ferreira, "recuperar a qualidade da água". Para o conseguir têm sido desenvolvidas desde 2008 diversas acções integradas. Assim, metade dos terrenos agrícolas que constituíam o maior risco de escorrência de nutrientes para a lagoa - basicamente, utilizados em agro-pecuária intensiva - foi adquirida pelo Governo dos Açores. Em seguida, teve início a alteração das utilizações tradicionais dos solos, com o combate a espécies infestantes mais comuns, como o silvado, a conteira ou o incenso.
Durante quase um ano, recorda o gestor, foram também removidos da lagoa toneladas de resíduos poluentes - pneus, plásticos de silagens, embalagens, arames farpados, ferro velho e até viaturas - para ali lançados durante décadas.
Reabilitação da bacia
Outra preocupação foi contrariar os fenómenos de erosão causada pela acção das águas. Esse fenómeno é bem visível nas profundas valas abertas nas encostas. Depois de limpos, foram plantadas nos rasgões plantas de espécies nativas, cujas raízes ajudam a fixar o solo arável, reduzindo, assim, a sua perda. Nos antigos terrenos de pastagens foram introduzidas leguminosas que fixam e disponibilizam azoto, aumentando a produtividade dos solos sem recurso a fertilizantes químicos. A exuberância dos campos contrasta hoje com a desolação de outrora nos terrenos enlameados.
As áreas adquiridas permitiram também o desenvolvimento de outras pequenas experiências num "laboratório de paisagem", apresentado como "uma alternativa às vacas e às criptomérias". Inclui, entre outras iniciativas, o estudo do potencial de espécies arbóreas para a produção de energia; a análise dos pólenes no solo para descobrir a flora das Furnas anterior à colonização; uma rede de arboretos para estudar as alterações climáticas e seus impactos no sector florestal; reflorestamentos para criar uma paisagem florestal variada; um antigo pomar de maçãs replantado nas Furnas; e uma colecção de vimes na margem de uma ribeira, que ajudem a identificar modelos sustentáveis de gestão do território.
O último capítulo deste processo foi escrito em Julho passado, com a abertura do centro de monitorização e investigação, num edifício construído de raiz na margem sul da lagoa das Furnas. Além do apoio à comunidade científica, está patente ao público no local, com acesso condicionado a viaturas, uma exposição permanente. Começou também a ser desenvolvido em permanência um programa de actividades lúdicas, exposições e seminários.Solução a longo prazo
O que aconteceu na lagoa no último Verão (ver caixa) não põe em causa este projecto de fundo. "Todos os anos há quantidades anormais de fitoplâncton na água, que lhe dão a cor amarela em vez de verde. Mas a qualidade da água já melhorou muito, pois os níveis de azoto e fósforo baixaram muito por não haver pastagens", explica Miguel Ferreira. O regresso da habitual precipitação no Outono fez com que, no início de Novembro, já só fosse visível junto às margens uma pequena película verde à superfície da água. No entanto, o técnico n? ?o tem dúvidas de que a água da lagoa vai continuar a ser má durante anos: "A longo prazo, a solução é a que está a ser aplicada."
Diogo Caetano, presidente da associação Amigos dos Açores, concorda que "a eutrofização vai levar muitos anos a eliminar". "É um processo de reabilitação de médio-longo prazo", diz. Está de acordo com o trabalho desenvolvido pela equipa liderada por Miguel Ferreira, mas considera que seria desejável um maior envolvimento local e mais disponibilização de informação sobre o processo da lagoa. "Os bons resultados na redução dos efluentes deviam ser obtidos com a participação das populações", defende o dirigente associativo, que acrescenta: "O voluntariado militar é interessante, mas não é o mesmo que procurar uma ligação a quem ali vive, na busca de uma alteração do paradigma, que deve ser centrado na produção florestal e na promoção da hortofruticultura."
http://www.publico.pt/Local/lagoa-das-f ... 0195?all=1